Archive for 25 de agosto de 2009

Editoras

25/08/2009

Editoras e Livrarias

9 – Editora Parábola

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8 – Editora IBEP

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7 – Libre – Liga Brasileira de Editoras

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2 – Editora Nelpa

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1 – Editora Livro Pronto

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Entrevista 2 – Profa. Dra. Eni P. Orlandi

25/08/2009

Entrevista realizada pela Profa. Dra. Raquel Goulart Barreto – UERJ.

TEIAS, Rio de Janeiro, ano 07, no. 13-14, jan/dez 2006. Pp. 01/07.

ANÁLISE DE DISCURSO:

CONVERSA COM ENI ORLANDI

Raquel Goulart Barreto*

Diferentes textos publicados nas seções Artigos e Ensaios assumem Eni Orlandi como referência, o que seria de se esperar, já que este número duplo de Teias focaliza as práticas pedagógicas na sua dimensão linguageira, implicando a objetivação dos sentidos que nelas circulam. Mas a revista procurou ir além, chamando a própria para esta conversa.

Generosamente, a autora abriu espaço na sua agenda para as nossas indagações. Neste espaço, pode ser apresentada como Professora Titular do Departamento de Lingüística do Instituto de Estudos da Linguagem, como Coordenadora do Laboratório de Estudos Urbanos da Unicamp, como Pesquisador 1A nas áreas de análise de discurso e de história das idéias lingüísticas no Brasil. Mas Eni Orlandi é uma referência que dispensa apresentações. Este espaço é para ouvi-la.

Teias – Sua longa e importantíssima trajetória de trabalho com a análise de discurso é evidenciada por prêmios, como o Jabuti (As formas do silêncio: no movimento dos sentidos), e pelas sucessivas edições de livros como Análise de discurso: princípios e procedimentos, que foi lançado em 1999 e teve a sua 6ª edição em 2005. Para a educação, o mais marcante deles ainda parece ser A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso, lançado em 1983 e na 4ª edição em 2006. Nele, a tipologia discursiva continua sendo revisitada, como em artigos deste número de Teias.

Uma questão primeira é: como você vê esta “permanência”?

Eni Orlandi – Na verdade, o livro A linguagem e seu funcionamento já teve muito mais edições. Porque é muito requisitado na área de educação. E como as licitações para compra especificam a edição, o editor não pode fazer outra edição. Assim, ele faz novos livros e coloca na mesma edição. Creio que já ultrapassou, na realidade, mais de 10 edições. Considero este livro importante porque é um livro fundador. E ele tem sim uma relação privilegiada com a educação, pois minha disposição, quando eu pensava as análises, era levar nós, professores, a compreendermos nossa prática através da linguagem. Eu escrevi a maior parte dos artigos no fim dos anos 70 e início dos 80. Época da ditadura, época de forte autoritarismo. E eu queria que as pessoas percebessem que não estávamos imunes ao autoritarismo, ou seja, pelo modo como funciona a sociedade e a ideologia, nós fazíamos parte desta sociedade autoritária. Queria levar os professores a pensarem suas práticas. A tipologia é revisitada com razão, segundo o que penso. E o é porque corresponde a um real da linguagem e é exemplar na prática pedagógica. Eu a pensei procurando não seguir um procedimento externo, ou seja, eu não queria buscar elementos externos ao discurso para falar dele. Procurei respeitar o que eu considerava teoricamente relevante na caracterização do discurso: a relação paráfrase/polissemia, a relação entre os locutores, a relação dos locutores com a constituição do referente, do objeto do discurso.

Teias – Na sua abordagem do discurso pedagógico, Pêcheux é uma referência constante. Parece que ele está muito presente nas suas formulações como ponto de partida, já que você aponta para caminhos que não estão delineados nas obras dele.

Eni Orlandi – Na única vez em que vi Michel Pêcheux, foi no Rio de Janeiro em um Congresso de Economia Política. Conversei com ele depois da conferência que ele fez e na qual falava que a ideologia era um ritual com falhas. Falei-lhe da tipologia que eu tinha formulado como uma forma exploratória de compreender a discursividade. Falei com reservas pois eu mesma tinha o cuidado de não estabelecer uma tipologia com tipos estanques e também não queria reduzir a análise de discurso à busca de tipos de discurso. Mas para minha surpresa ele apoiou totalmente minha proposta e achou interessante a tipologia que eu propunha justamente porque levava em conta propriedades do discurso. Creio, pois, que a permanência é porque ela corresponde a algo que faz compreender o discurso, que é heuristicamente produtiva, e que continua sendo atual. Não voltei a explorá-la porque gosto de ver como, uma vez formulada, ela ganhou liberdade para circular e produzir reflexões. Gosto de ver como ela é compreendida de diferentes maneiras com diferentes objetos de análise. Só me preocupa quando a vejo sendo usada como categorização de falas, de forma estreita, ou quando se carrega de moralismo (oscilando entre o bem e o mal). Um discurso autoritário o é pelo seu funcionamento. Pouco importam as intenções de seu locutor. Portanto não é uma questão moral. É uma questão lingüístico-histórica, ideológica. E não há sujeito sem ideologia. Mas confesso que tenho muita vontade de explorar mais esta tipologia. Pelo que ela tem de real na relação com a análise dos discursos.

Teias – E você também buscou dimensionar as questões relativas à resistência a partir do estudo do silêncio.

Eni Orlandi – Uma coisa de que me orgulho: o meu livro As formas do silêncio, que ganhou o prêmio Jabuti, foi traduzido para o francês. Um coreógrafo, George Appaix, da Companhia de Dança La Liseuse, o leu e fez uma coreografia a partir dele, que se chama Je ne sais quoi (Não sei o quê). Esta coreografia foi apresentada no teatro da Bastilha em Paris e eu e minha filha assistimos. Foi muito gratificante pra mim. O que me empolgou – a coreografia é linda – é que quando eu era menina e perguntavam o que eu ia ser quando crescesse, eu dizia que queria dançar. Aí está a questão do silêncio. Isto estava silenciado em mim, mas o coreógrafo, ao ler meu livro, “percebeu” nele um sujeito que ama a dança. O meu modo de falar da linguagem “passou” este sentido para ele. Acho isto fantástico.

Teias – Há uma frase no seu livro de 1988 (Discurso e leitura) extremamente marcante e desafiadora, em especial para a área da educação: “Compreender, eu diria, é saber que o sentido pode ser outro” (p. 12). A proposta aqui é tomá-la como mote para que você aborde as relações entre interpretação e compreensão.

Eni Orlandi – Quanto ao fato de eu afirmar que compreender é saber que o sentido pode ser outro, desde muito cedo, quando se aprende análise de discurso, isso vai-se impondo. A incompletude, a divisão, o político, o inconsciente, a ideologia, as diferenças são uma constante para quem aprende análise de discurso. Daí a teorizar a leitura e afirmar que o sentido pode ser outro é só um passo. O que sempre me atraiu, me seduziu na análise de discurso é que ela ensina a pensar, é que ela nos tira as certezas e o mundo fica mais amplo, menos sabido, mais desafiador. E pensar que o sentido pode ser sempre outro vai nessa direção. Daí a minha necessidade de distinguir inteligibilidade, interpretação e compreensão. Porque quem analisa não pode se contentar nem com a inteligibilidade nem com a interpretação. Para a inteligibilidade basta “saber” a língua que se fala. Para interpretar, o fazemos de nossa posição sujeito, determinados pela ideologia, nos reconhecemos nos sentidos que interpretamos. Mas para compreender é preciso teorizar. É preciso não só se reconhecer, mas fazer o esforço de conhecer. É aceitar que a linguagem não é propriedade privada. É social, é histórica. Não é transparente. Em um livro posterior, Discurso e texto, dei mais um passo em relação a isso. E afirmei que não há senão versões. Isso “inspirada” em um livro do Cerquiglini que se chama O elogio da variante. O plural, o que varia, não é o que tem defeito, o que não é correto. É o cerne mesmo da nossa capacidade de linguagem. Estamos sempre às voltas com versões. Por que uma e não outra? Eis a questão. Por que eu, por que você? E o sentido pode ser outro para mim mesma, dependendo de minha relação com as condições de existência. Quantas vezes nos surpreendemos ao ver que soa em uma palavra um sentido que a gente mesmo ainda não tinha percebido. Nem poderia. Esta é uma questão da historicidade do sentido e da identidade do sujeito. Por isso, em termos de análise acho interessante o que diz Pêcheux: há um batimento entre descrição e interpretação. Para mim, isto significa que para compreendermos precisamos construir um dispositivo teórico e um dispositivo analítico de interpretação para mediar nossa relação com os sentidos (e com nós mesmos). Para expor nosso olhar à opacidade do texto. Para compreendermos e não ficarmos repetindo o que já está posto lá para que fiquemos atados a sentidos mesmos.

Teias – Seu trabalho também é sustentado por uma “virada” importante no que se refere à abordagem da ideologia: o excesso no lugar da falta, o imaginário, as condições de produção da interpelação…

Eni Orlandi – Esta questão é muito importante. Levei a sério o fato de que era necessário pensar a ideologia através da linguagem já que a materialidade da ideologia é o discurso e a materialidade do discurso é a língua. O que isso modifica, em relação às ciências humanas e sociais? Tudo. A ideologia vista assim não é um “conteúdo”, é uma prática, é um funcionamento discursivo. Não atravesso a linguagem para encontrar a ideologia, na linguagem a ideologia é. No meu livro Interpretação, publicado pela Editora Vozes e reeditado pela Pontes, falo mais largamente sobre a re-definição de ideologia no campo da análise de discurso. Mas fundamentalmente parto da idéia de que a história não é transparente e embora os homens façam história não é evidente para eles. Os fatos reclamam sentidos e é nisto, diz P. Henry, que está a historicidade. Portanto não há como não ligar ideologia e interpretação. Há uma injunção à interpretação e a ideologia está justamente em que, ao interpretar, o sujeito considera evidente o sentido que é constituído por uma certa materialidade em determinadas condições de produção. Mais recentemente, no meu livro Língua e Conhecimento Lingüístico, publicado pela Cortez (2001), em que falo da história em que nossa língua foi-se constituindo ao mesmo tempo em que se constituía um conhecimento sobre ela e se instituíam escolas, programas de ensino etc., num vasto processo de política da língua no Brasil, retomo a questão do sujeito, da história e da ideologia. Estabeleço então que há dois movimentos (inseparáveis) na constituição do sujeito. Um primeiro movimento em que temos a interpelação do indivíduo em sujeito, pela ideologia, no simbólico, constituindo a forma-sujeito histórica. Em seguida, com esta forma-sujeito histórica já constituída dá-se então o que considero como processo de individualização do sujeito. Como sabemos a forma-sujeito-histórica do sujeito moderno é a forma capitalista caracterizada como sujeito jurídico, com seus direitos e deveres e sua livre circulação social. As formas de individualização do sujeito pelo Estado, estabelecidas pelas instituições (entre elas a Escola), resultam em um indivíduo ao mesmo tempo responsável e dono de sua vontade. Faz ainda parte destas minhas reflexões reconhecer que há em todo sujeito uma necessidade de laço social que sempre estará presente, ainda que ele viva em situação absolutamente desfavorável. Pois bem, este indivíduo assim constituído pelo simbólico e pelo histórico, ideologicamente interpelado e individualizado pelo Estado é o que temos na Escola. Neste passo, este é um indivíduo que tanto pode ser mera repetição como diferença. Porque não podemos resistir à interpelação, ao assujeitamento à língua, senão não seríamos sujeitos, mas podemos resistir aos modos como o Estado nos individualiza. Podemos, pois, não nos submeter ao modo como as instituições nos “fabricam” em série.

Teias – Neste momento, as tecnologias permitem configurações textuais cada vez mais diversificadas e complexas. Você poderia falar um pouco do desafio da(s) leitura(s) dos textos tecidos por múltiplas linguagens?

Eni Orlandi – Tenho desenvolvido esta questão das novas tecnologias e tenho em meu Laboratório (Laboratório de Estudos Urbanos na Unicamp – Labeurb) um programa de estudos em que desenvolvemos pesquisas nessa direção. Além disso, há vários alunos que desenvolvem dissertações e teses sobre o assunto sob minha direção. Isto porque não podemos desconhecer estas questões hoje na escola. Vou te passar algumas idéias sobre o como vejo esta questão hoje.

Interação ou prática social simbólica? Comunidade ou Classe social?

Estas questões remetem ao fato de que a análise de discurso é diferente do que se diz no discurso dos internautas e cientistas da informação, no exercício do discurso eletrônico. Devo acrescentar que eu mesma nos anos 70/80 do século XX, levada pela “onda” da dialogia e do bakhtinianismo usei a palavra “interação” para significar a relação entre posições-sujeito, sobretudo quando trabalhei com leitura e escola. A palavra era de uso corrente, mas o que eu significava já se remetia à noção de discurso e, portanto, a outro sentido. A partir do momento que tive consciência disso, deixei de usar a palavra interação. E guardei rigorosamente a distância teórica que vai da pragmática (interação) e a análise de discurso que pratico e que tem outros princípios. Na análise de discurso o que procuramos entender é a linguagem enquanto prática social simbólica (o que é muito diferente de “interação”). Tampouco a noção de “comunidade” nos satisfaz. Ela deixa de lado a questão do conflito que está presente na idéia de classe. Num enunciado como o do informaticista Fábio Bastos (03/05/07) (em uma primeira reunião de trabalho sobre o espaço urbano, no Labeurb), chamou-me logo a atenção o seu parágrafo sobre o “usuário”: “A internet hoje não é mais como era há alguns anos. Até pouco tempo atrás navegávamos na internet e somente recebíamos dados. Atualmente sempre interagimos enviando dados que transformam-se em informações em formato de textos, imagens, sons e vídeos. Navegando na internet muitas vezes nos sentimos no ambiente urbano.” Pensando através da análise de discurso, haveria um deslizamento para noções como: usuário=sujeito; navegávamos=percorríamos relações de sentido; dados=fatos de linguagem; interagimos=praticamos gestos de interpretação; transformam-se=derivam; informações=sentidos; formato de textos=textualizam-se em diferentes materialidades significantes como textos, imagens, sons, vídeos; ambiente urbano: condições de produção urbanas. Estes deslizamentos introduzem uma grande diferença entre estes discursos, o do internauta e o do analista de discurso. E isto tem conseqüências para o modo de uso do “instrumento” tecnológico. Estabeleci que há na produção de sentidos três momentos, inseparáveis, que são: constituição, formulação e circulação de sentidos.

Teias – Em que sentido(s) esta formulação se aplica especificamente ao discurso que viaja nos meios eletrônicos?

Eni Orlandi – Podemos dizer que quando pensamos a prática do discurso eletrônico, embora os momentos sejam inseparáveis, tomamos como ângulo de entrada a circulação dos sentidos, pensando os outros dois momentos através deste. O modo de circulação dos sentidos no discurso eletrônico nos faz pensar que, pela sua especificidade, produz conseqüências sobre a função-autor e o efeito-leitor que ele produz. E estas conseqüências estão diretamente ligadas à natureza da memória a que estes sentidos se filiam. E, certamente, à materialidade significante de seus meios. Tenho distinguido três noções de memória: memória discursiva ou interdiscurso, memória institucional (arquivo) e memória metálica. A memória discursiva ou interdiscurso (M. PÊCHEUX, 1975, J-J. COURTINE, 1981) é a que se constitui pelo esquecimento, na qual “fala uma voz sem nome”. Aquela em que “algo fala antes, em outro lugar, independentemente” (M. PÊCHEUX,1975), produzindo o efeito do já-dito. Isto é, as nossas palavras trazem nelas outras palavras. Por outro lado, a memória institucional ou a que chamo a memória de arquivo ou simplesmente o arquivo, é aquela que não esquece, ou seja, a que as Instituições (Escola, Museu, eventos etc.) praticam, alimentam, normatizando o processo de significação, sustentando-o em uma textualidade documental, contribuindo na individualização dos sujeitos pelo Estado. E temos, enfim, a memória metálica, ou seja, a produzida pela mídia, pelas novas tecnologias de linguagem. A memória da máquina, da circulação, que não se produz pela historicidade, mas por um construto técnico (televisão, computador etc.). Sua particularidade é ser horizontal (e não vertical, como a define Courtine), não havendo assim estratificação em seu processo, mas distribuição em série, na forma de adição, acúmulo: o que foi dito aqui e ali e mais além vai-se juntando como se formasse uma rede de filiação e não apenas uma soma. Quantidade e não historicidade. As diferentes formas de memória acarretam diferenças no circuito constituição/formulação/circulação e também afetam a função-autor e o efeito leitor. Isto porque qualquer forma de memória tem uma relação necessária com a interpretação (e, conseqüentemente, com a ideologia.). Aliada a questão da memória está o fato de que a forma material que é o texto mexe com a natureza da informação, produz efeitos sob o modo como ela funciona. A natureza do significante (diferentes linguagens) intervém na produção do objeto e este objeto, por sua vez, constitui o modo de significação deste gesto simbólico. E o que é um texto? É uma unidade de significação em relação à situação. Esta sua caracterização pode ser mantida, mas certamente a textualidade, sua forma material, sua relação com a memória e com as condições de produção diferem quando difere sua materialidade significante. Ou seja, podemos considerar uma imagem um texto (Tânia Zen, tese de doutorado, 2007), mas com sua materialidade diferente ela constitui um objeto simbólico, significante, diferente e que produz efeitos de sentidos específicos à sua forma e sua materialidade. Como tenho dito, há uma abertura do simbólico e as diferentes linguagens, as diferentes materialidades significantes atestam esta abertura pela suas distintas formas de significar produzindo seus efeitos particulares. A questão então sendo: como significam estas diferentes formas materiais no discurso eletrônico? Como o discurso eletrônico arregimenta sentidos a partir da convivência dessas diferentes materialidades significantes, destas diferentes textualidades na produção de seus efeitos (do discurso eletrônico) de sentidos? Da perspectiva discursiva, o que há na relação dessas formas materiais significantes distintas certamente não é simples adição. É uma relação muito mais complexa e que aguarda explicitação. O espaço significa, tem materialidade e não é indiferente em seus distintos modos de significar.

Teias – No caso do espaço virtual, que diferenças você destaca?

Eni Orlandi – Quando pensamos o espaço virtual, digital, devemos considerar, já de início, que forma de enquadramento e que fenômenos ele configura. O fato de pensarmos o urbano digital nos coloca frente à questão: que injunções interpretativas são aí produzidas e que natureza de efeitos isso produz tanto sobre o urbano como sobre o virtual. Do mesmo modo que nos anos sessenta, a noção de leitura, de interpretação é posta em questão – o que ler significa? – dando espaço a uma reflexão que prepara o lugar do discurso, creio que quando pensamos o discurso eletrônico – noção que assim batizei ao pensar como chamar a reflexão sobre o virtual pensado nos termos da não transparência da linguagem -, não podemos deixar de questionar, como um paralelo, o que o enquadramento da linguagem no discurso eletrônico produz como efeito. E retorna a mesma questão, agora frente a outro artefato: o que ler aí significa? Todas estas questões que coloco aqui têm um objetivo particular que é o de pensar a escola nessa conjuntura discursiva que se instala e nos diferentes processos de leitura que se abrem como possibilidade. Talvez da tomada em consideração da materialidade da leitura no discurso eletrônico possam resultar novos modos de acesso aos sentidos, ao conhecimento. Mas continua, a meu ver, o que já afirmava nos anos 80: ler é saber que o sentido pode ser outro. Só que os percursos para esse outro passa por outros modos de circulação, outras conjunturas da significação. Por fim, gostaria de retomar aqui uma afirmação que faço no livro Cidade dos sentidos, ao me referir à escola. Dizia então que, se nos anos 80 do século XX a grande novidade era dizer que era preciso deixar que a vida lá fora entrasse para a Escola, nos anos 90 eu pensava que a novidade então estivesse invertida, ou seja, em levar a Escola para a rua. Dizia isso pensando as pichações, o rap e outras formas de relação com a linguagem. Pois bem, agora pondo em jogo a relação do urbano com o digital, penso que a Escola encontra vários meios de ir para a rua. E um deles é, por exemplo, o trabalho que está sendo feito por um conjunto de universidades, o Cidade do Conhecimento, em que se põe em circulação o conhecimento através do Second Life (1). E não penso que pare aí a possibilidade de se explorarem as novas tecnologias. Mas não posso terminar sem deixar uma pergunta: que espécie de sujeito e de sentidos estas novas tecnologias produzem? O que da Escola aí se perde? O que se ganha? Que conhecimento é este que está na rua? Que sujeito ele constitui?

Teias – Você termina o livro Terra à vista (1990), com a frase: “É isso, afinal, o principal para quem trabalha com linguagem: não atravessá-la sem se dar conta da sua presença material, da sua espessura, da sua opacidade, da sua resistência” (p. 255). Como você lê esta formulação hoje?

Eni Orlandi – Continuo pensando da mesma forma: a linguagem não é um mero instrumento de comunicação. Ela tem sua materialidade, sua ordem própria na qual “esbarramos”. E a análise de discurso é a teoria que sabe trabalhar isto ligando língua/sujeito/história, trazendo para a reflexão a ideologia, relacionando-a com o gesto de interpretação.

Teias – Como é que você vê os encaminhamentos atuais para a questão do discurso?

Eni Orlandi – Vejo a questão do discurso hoje na tensão em que sempre esteve: a dos que a praticam aceitando as contradições, os efeitos, as falhas, o equívoco. E os que querem passar tudo a limpo e se colocam na perspectiva da pragmática, somando língua e contexto, sujeito e sociedade etc. sem mudar de terreno. Outro fato se acrescenta a este: ao invés de aceitar o desafio para pensar por si, já que o fundador deixou seus textos abertos para a interpretação, há os que procuram um fechamento da análise de discurso juntando autores e autores, teorias e teorias, esquecendo o que diz Paul Henry de forma magistral: a questão do sentido é uma questão aberta porque é uma questão filosófica. Assim como o sujeito não é origem de si, não tem o domínio de como os sentidos se formam nele, de como ele experimenta os sentidos. É, pois, necessário, para os que praticam a análise de discurso, aceitar a condição de não colocar o ponto final. Entregar-se ao prazer da descoberta em cada passo. Freqüentar autores não para fechar questão, mas para dialogar na diferença. Como diz Pêcheux, em seu La Langue Introuvable, na linguagem as questões não se fecham. Elas retornam.

Teias – Sem sugerir aqui um fechamento, queremos que você nos conte acerca do seu momento, seus projetos, perspectivas.

Eni Orlandi – Meu momento atual. Tento compreender a relação do indivíduo (sujeito individualizado) com a sociedade, no processo de individualização produzido pelo Estado (enquanto articulador simbólico). Trabalho com o pichador, o que se tatua, o delinqüente, o terrorista, o migrante, o menino do tráfico, tendo como referência a ideologia da mundialização. Tomo a cidade como espaço de interpretação particular e procuro compreender o discurso urbano. Onde tudo isto que citei acima marca sua presença. Procuro entender o sensível, o corpo, visando compreender o sentido deste laço que nos une mesmo em situações totalmente adversas e que fazem com que um sujeito mesmo massacrado faz ainda eco na história e no simbólico, não deixando de ser um sujeito social. Trabalho com o resto, o a-mais. O que sobra. Isto na análise de discurso. Em um outro projeto que trouxe para o Brasil em 1988 – O Projeto História das Idéias Lingüísticas – e que agora se espalhou pelas diferentes universidades brasileiras – desenvolvi um primeiro momento em que procurei mostrar como a história de nossa língua e a história do conhecimento sobre ela se articulam ao longo do tempo e das práticas de linguagem estabelecidas no Brasil. Mostro como o século XIX foi fundamental para os gramáticos brasileiros que produziram – ao produzir gramáticas de brasileiros para brasileiros – também o sujeito brasileiro e como ao organizar a língua (com gramáticas, dicionários, escolas, como o Caraça, o Pedro II etc.) também organizavam a sociedade brasileira. Mostro como no século XX tudo isso muda, com a república e desemboco finalmente no modo como o lingüista se torna a autoridade que cauciona o conhecimento da língua e o gramático fica como o guardião da norma. Atualmente, neste projeto, estou pesquisando o período da ditadura para mostrar como o contexto político está presente na maneira como se constitui o conhecimento lingüístico da época (anos 1960/1980). Na verdade, neste projeto, trato do discurso sobre a língua ao longo da história brasileira. E reivindico o que chamo de processo de descolonização pelo qual posso dizer que falamos a língua brasileira. Assim como critico o que é a lusofonia – enquanto herança da colonização – e procuro mostrar que a relação entre países de colonização portuguesa deve se pautar pelas muitas formas de historicizar as línguas faladas em seus territórios. E por aí vai.

Teias – Por aqui vão os agradecimentos. Aqui, longe de querer promover um fim, registramos parte da mensagem em que Eni avalia a entrevista editada: “sempre fica a insatisfação de saber que não se pode dizer tudo e que, como nos diz o nosso Guimarães Rosa, ‘um livro vale por aquilo que nele não deveu caber’. São as margens. O que nos liga na vontade de ainda aprender mais”.

E por aí vai…

*Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Referência

TEIAS, Rio de Janeiro, ano 07, no. 13-14, jan/dez 2006. Pp. 01/07.

(1) A referida proposta pode ser encontrada em: http://www.cidade.usp. br/blog/2007/09/01/cidade-do-conhecimento-20no-second-life.